19 de dezembro de 2011

Como não torcer pelo Barcelona ???

                                          Foto: O Dia Online - 18/12/2011

Sou uma apaixonada pelo futebol. Fui pela primeira vez a um estádio quando ainda era um serzinho na barriga de minha mãe.

Só isso para explicar acordar as 7h30 da manhã do primeiro domingo de um dezembro, final de semestre, sem me preocupar com tantos planos de aula, notas de alun@s.

Só isso não. Isso também. Associado ao jogo prometido entre Barcelona e Santos. Sou apaixonada por futebol e brasileira, mas a equação simples aparentemente de torcer pelo Santos não é perfeita assim. E ficou complexa depois do jogo.

Estava torcendo pelo Barcelona. Afinal, como não torcer pelo Barcelona?

Entendo de futebol, antes que venham brincar com as velhas e preconceituosas associações entre mulher-futebol de forma depreciativa. Mas neste caso, não me interessa analisar tecnicamente o time do Barcelona.

O Futebol praticado por este time é de encher os olhos. Encanta. Meus olhos, sempre ressecadíssimos pela manhã após a cirurgia, ficaram encantados com o futebol do time catalão. Futebol arte sim, simples e brilhante.

Uma das coisas que me encanta é a sensação de que o Barcelona é um time. Não é fácil ser um time hoje. Vendo o jogo, tive a impressão que nosso futebol brasileiro decai justamente no momento em que o time deixa de ser importante e ocupa este espaço os jogadores estrelas, astros-jogadores. Fácil perceber isso nas manchetes de jornais que chamavam a atenção para o suposto duelo Messi x Neymar. Como se apenas esses dois jogadores fossem ou pudessem ser responsáveis pela partida.

Jogo de futebol oficial precisa de 11 jogadores. Fato.

Na transmissão da Globo, em determinado momento, o narrador perguntou “não tem nenhum que jogue mal nesse time do Barcelona?”. Acho que ai reside o segredo que tornou Messi o melhor do mundo no Barcelona e nem tão bom na seleção argentina. O jogador aliar sua genialidade (inegável) a um time, que joga pelo time, não por si só. Diferente do que vemos no Brasil, infelizmente.

Outra curiosidade: impressão minha ou alguém mais achou que os santistas entraram com certo aspecto derrotado no campo? Como se já tivessem entrado em campo perdendo de 10 x 0. Tudo bem, que jogar com o Barcelona, o melhor time da atualidade (minha modesta opinião) já PE quase isso, na teoria. Mas, mesmo que eu ache que o Santos é inferior em qualidade ao Barça, eles jogam, tem jogadores de qualidade, ainda que individualmente, e não mostraram nada. Absolutamente nada. Barcelona chegou a ter 76% de posse de bola. Marcou 4 gols, e não mais porque passaram a administrar o jogo.

No final do jogo, dois outros fatos chamou minha atenção. Puyol em entrevista, ao ser perguntado sobre a homenagem à David Villa (jogador do Barcelona lesionado na semi final do Mundial) respondeu “com ele somos mais forte”. E no momento do apito afinal do jogo, antes de comemorar a conquista do título, jogadores do time catalão primeiramente cumprimentaram jogadores santista.

Ai o Barcelona me arrebatou de vez. Jogam bonito, simples, e constroem uma filosofia que tem como princípio a formação de jogadores e de homens, não de astros pops; filosofia de tem como base o respeito aos times adversários. Coisa difícil de ver no futebol brasileiro ultimamente.

Futebol, arte, jogadores bons, time de fato, coletividade, respeito. Em 90 minutos de futebol. E nem inclui minha análise da plástica dos jogadores, para não ser acusada de alienação e não entender de futebol só por ser mulher.

Depois de tudo isso, como não torcer pelo Barcelona???


24 de novembro de 2011

Ousar ter esperança



Morrer ajoelhado com tiros na cabeça. Morte dura, cruel. E eram apenas jovens. Seis, com idade entre 14 e 17 anos, assassinados em Icoaraci, distrito de Belém, na calçada, em frente a um prédio de instituição pública municipal. Indícios claro de execução.
Hoje, em um jornal regional no horário do almoço, a apresentadora em conversa com o atual secretário de segurança pública do estado do Pará, cogitou com este se o crime poderia ser passional. Nas primeiras informações sobre o crime, a policia chegou a alegar que alguns dos jovens assassinados tinha registro de passagem pela policia.
Declarações que não deixam dúvidas sobre como se trata vitimas de violência em nosso estado e no país. Não basta ser violentado por ser pobre, jovem, negro, morador de área periférica, já ter boa parte de seus direitos usurpados. Não basta ser morto cruelmente ajoelhado e com tiro na cabeça. Você ainda é desrespeitado mesmo após a morte brutal. Ainda tentam justificar o crime, diminuí-lo.
Sou cidadã, pesquisadora da área de crime e criminalidade. Mas não embruteci. Fico chocada com esses tipos de violência. Chocada com a insensibilidade de gestores públicos e de parcela da imprensa.
Nesta situação, eu realmente gostaria de ouvir do secretário de segurança do Pará: o Estado falhou novamente, não demos conta mais uma vez de garantir o direito de viver de mais 6 jovens, de protegê-los, de lhes permitir que vivessem sua vida, realizassem seus sonhos. Jovens, famílias, sociedade paraense, pedimos desculpas e prometemos nos empenhar para impedir que novas mortes aconteçam.
Não queria mais ouvir, por parte da imprensa e da policia, tentativas infundadas, injustificadas e desrespeitosas, cogitando crime passional, alegando passagem de alguns dos jovens pela policia como possível justificativa para o ato bárbaro. Ouvi essas declarações e me senti no século XVII, antes da reforma penal, quando as punições por crimes eram centradas no suplicio do corpo. Ainda é está mentalidade que paira em partes da nossa policia e da nossa imprensa. Matou? Pode ser morto. Roubou? Pode apodrecer na cadeia.

Nas declarações do secretário hoje, ouvi indiferença. Não queria e não aguento mais ouvir, numa hora dessas, que os índices de criminalidade e de homicídio no Pará tem diminuído nesta gestão governamental. Se for verdade essa diminuição, não impede e não impediu que a vida de jovens seja tirada brutalmente, que a alma dos pais e mães seja arrancada, trucidada.

Gestor público tem que ter sensibilidade, não basta eficiência com dados, informações. Gestam vidas e não números, como dizia o próprio senhor governador a época de sua campanha ao governo. E que parece ter esquecido.
Não foi dado tom respeitoso por parte da tal apresentadora do jornal. Não é possível que assassinato de seis jovens, ajoelhados e com tiros na cabeça seja considerado como crime passional.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, dados sobre o registro de crimes no País em 2010 e o investimento dos Estados na segurança apontam que nossa situação no Pará é realmente séria.
Estamos na 6ª colocação do ranking de estados em número de homicídios dolosos, ou seja, causar a morte de alguém, com uma taxa de 33,2 homicídios por 100 mil habitantes; e também em crimes violentos letais (homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte). Somos o 2º estado no ranking de latrocínios, roubo seguido de morte. Ocupamos a 8ª colocação no ranking de tráfico de entorpecentes. E de posse ilegal de armas. O 9º estado em casos de estupro, atos libidinosos e atentados violentos ao pudor. O 11º em lesão corporal dolosa. Em contrapartida aos que taxam os/as jovens de perigosos, somos, de acordo com está pesquisa, o 23º estado em criminalidade juvenil (adolescentes “em conflito com a lei” e com liberdade restringida).
Para esta situação preocupante, para me utilizar de um pleonasmo, o governo estadual disponibiliza apenas R$ 136,00 por pessoa nos gastos com segurança pública, fazendo com que o Pará seja o 22º estado em gastos no país com esta área.
Lembro que na campanha ao governo estadual, o atual governador gostava de repetir quase como um mantra a idéia de que se preocupava mais com pessoas do que com números.
Não acreditei nisso à época. Não acredito agora. Seis jovens foram brutalmente assassinados. Os números comprovam que a situação da segurança pública no Pará são caóticos. Fico com a certeza de que o atual governo estadual não se preocupa nem com os números, e muito menos com a população do estado.
Continua permitindo a morte de nossos jovens. A morte física, brutal. E a morte lenta, aquela que vai matando aos poucos, quase de maneira imperceptível, destruindo sonhos, impedindo de estudar, de trabalhar decentemente, de se divertir.
Eu ouso ter esperança num estado marcado pelo derrame de sangue de nosso povo.

3 de novembro de 2011

Vivo




Não ter medo da vida deveria ser um princípio. Desses que não abrimos mão, nem em momentos que estamos postos em teste.

Encarar a vida de frente, sem a presunção de quem quer domá-la por puro egoísmo, mas sim, de peito aberto, de quem quer respirar os ares da felicidade e da liberdade.

Obviamente, não sou eu a pessoa a afirmar que nunca tive medo de encarar a vida. Certos sentimentos nos dominam as vezes, de tal forma, que se torna impossível se opor a eles.

O que posso afirmar, é que nunca tive medo de me dar ao luxo (nem tenho certeza se posso afirmar ser isso um luxo) de viver a vida, com tudo o que ela me oferecia de bom e de ruim, ou melhor dizendo, com tudo o que ela me oferecia para que eu pudesse construir de bom e de ruim.

Devo confessar, é necessário, que tantas vezes fui teimosa ao extremo, exagerada desmedidamente, orgulhosa em excesso. E em cada uma dessas situações construí pontes que me levavam a caminhos de aprendizado e até de felicidade.

Construo caminhos todos os dias.

Em cada momento.

Num olhar, numa palavra, num gesto.

Que me levem a lugares desconhecidos, ou até mesmo aos conhecidos que nunca ousei seguir.

Tantas vezes chorei, recuei, driblei vontades. Não me arrependo. Aprendi.

A vida segue. 

Respirar deve ser um desses aprendizados que não devemos abrir mão.

Respirar e encher os pulmões de vida. 

Seguir os impulsos do coração; dar ouvidos à razão, mas guiar-se apenas por ela jamais.

Os desafios vem, ensinam, passam. 

Fico. Eu e o caminho que construo.

2 de agosto de 2011

Emoção, política e Nelson Jobim.

Hoje pela manhã, quando sai do trabalho, passei por uma esquina na qual estava um senhor e um menino, este devia ter uns 8 anos de idade, paraciam ser pai e filho. O pai pedia às pessoas que passavam pela rua para lhes comprarem um lanche. Horas depois, enquanto esperava o ônibus, encontrei uma senhora bem idosa, já com dificuldades para andar, pedindo dinheiro para as pessoas. Segundo a própria, "ela estava aperreada porque haviam cortado a sua luz" por isso pedia dinheiro, para pagar a conta.
Nessas horas, dá um nó na garganta.

Já em casa, a tarde, pela primeira fiz meu primo de apenas 7 meses dormir. Enquanto eu o embalava, o acalantava, lembrei-me daquelas pessoas que encontrei no caminho para casa.

O nó na garganta voltou. Essa sensação de que não fizemos nada por esta gente que tanto sofre, mesmo com os avanços consideráveis alcançados com muitas lutas, é de deixar qualquer ser arrasado.

Enquanto recordava dessas pessoas, que nem conhecia até a manhã de hoje, e que continuo não conhecendo nada além daquele olhar de tristeza , lembrei do senhor ministro da defesa do Brasil, Nelson Jobim.
Este cidadão foi o entrevistado do programa Roda Viva, na TV Cultura na noite de ontem. Não o assisti. Estava extremamente cansada depois de um dia todo de aulas ministradas. Mas enquanto exercia o que me cabe de liberdade de expressão em relação aos programas de televisão - mudar de canal - ouvi uma pergunta à ele e sua resposta. A apresentadora perguntou se ele se sentia desprestigiado pelo fato de ter sido muito mais recebido no Palácio do Planalto pelo ex presidente Lula do que o é hoje pela presidenta Dilma.
Jobim respondeu com uma negativa, disse que não se ressente por este fato, para ele política é algo separado das emoções, "aprendeu que na política até as brigas são combinadas", só mistura política e emoção os iniciantes e o tolos, ou algo muitissimo parecido com isso.

Então fiquei pensando como é que posso olhar para um pai e filho (uma criança de menos de 10 anos) que pediam comida e a uma senhora idosa que pedia dinheiro na rua para pagar sua conta de energia e não me emocionar? Como pode, eu que sou militante, filiada a partido politico, atuante, eatudiosa, que compreendo como esse sistema funciona, que sei quais mudanças devem ser feitas, que busco respostas para realizar essas mudanças, e que para isso, uso minha racionalidade, como é que posso não sentir um nó na garganta?
Militei, estudei, compreendi o bastante para saber que há de se mudar a super-estrutura. Há que se construir uma nova ordem. Os programas implantados atualmente pelo governo brasileiro podem acabar com a fome de comida e de existência imediatas, mas a longo prazo, não acabará. Disso eu sei. Sei também que nã gestão pública é necessário a combinação entre racionalidade e emoção.

Mas de que me basta saber dessa engrenagem se dentro do meu peito eu não carrego nenhum sentimento, nenhum respeito por esta gente? De que adianta o conhecimento aprendido e apreendido na acadêmia se eu não consigo transformá-los em ações efetivas que mudem a vida do povo brasileiro? De que adianta?

Como pode uma costureira fazer uma roupa se ela não sabe cortar, alinhavar, costurar? Como pode uma cozinheira preparar uma refeição se ela não conhece ingredientes, não sabe cortar, temperar? Como pode um político, que assume tarefa no poder executico ter suas ações políticas separadas da emoção? Como pode um gestor não conhecer seu povo e aproximar dele e de suas dores, se o seu papel é justamente de o representar?

Na minha humilde visão, pelo meu pouco conhecimento de vida, não acredito nessa divisão entre política e emoção.

Eu não vivi as mesmas dores daquelas pessoas que encontrei nesta manhã, mas senti parte dela. E vendo meu priminho tão pequeno ali no meu colo e o mundo tão grande e tão injusto que ele e tantas outras crianças nasceram, prefiro acreditar no velho Marx que afirmava que não podemos embrutecer e no velho Che, que nos dizia "endurecer, sem perder a ternura jamais".

31 de julho de 2011

Aos/as amigos e amigas da vida

Queridos, queridas,

O tempo tem sido um tanto exigente comigo. A vida tem me presenteado com tarefas, desafios e algumas provas de superação.


Fácil não tem sido, é verdade. Mas não há de ser nada impossivel de suportar e vence-los.


É tempo de plantar. Não tenho dúvidas. Agora, passos iniciais de um novo ciclo de minha vida e de outras, que estão ligadas à minha por razões diversas, estão sendo dados. Algumas vezes regados à lagrimas de saudade, dor; outras, de felicidade e superação.


A vida é assim mesmo. Triste de quem não compreende, se abate e não se permite vivê-la com todas as suas dores e alegrias.


Das muitas coisas que me dói nos últimos tempos, não ter podido passar mais tempo com vocês está no topo da lista, junto de outras tão importantes nesta minha existência.


Se é verdade que as reais amizades independem do espaço geográfico, territorial para existirem, é tanto verdade também, o quão delicioso é poder compartilhar a vida com aqueles e aquelas que são um pedaço de nós no mundo.


Gostoso mesmo é ter amigos e amigas e ser amiga. Não abro mão disso. Mesmo que o tempo, a distância, os afazeres diários, os problemas da vida contribuam para atrapalhar, separar e distanciar.


"Os verdadeiros amigos sabem entender o silêncio e manter a presença mesmo quando ausentes" disse Renato Teixeira. Salve as verdadeiras amizades, os/as verdadeiros amigos/as.


Em outros tempos também plantei e colhi belas amizades.


A vida agora exige plantar novamente em busca de novas experiências, de novos aprendizados, novas conquistas. Eu sigo caminhando e preservando e cultivando tudo o que já conquistei na vida com o maior cuidado, regando, mesmo de longe.


Amigos, amigas. Saudade é amor que fica. A amizade continua aqui dentro do coração mesmo quando estou longe e super ocupada. Mesmo quando não posso contemplar junto de vocês o por do sol embalado pelo reggae e as risadas, tão planejado e aguardado para este mês de julho.


Aqui, em meio à preparação das minha aulas, planejamento das tarefas da semana, tarefas relacionadas à familia etc etc, vou regando com carinho, amor e cuidado nossa amizade para que ela viva por todo o tempo.

27 de abril de 2011

Livro do mês: O Evangelho segundo Jesus Cristo - José Saramago




"(...) nada começa que não tenha que acabar, tudo o que começa nasce do que acabou."


"(...) já os filhos brilham nos olhos das mães (...)"


"(...) pois o deserto não é aquilo que vulgarmente se pensa, deserto é tudo quanto esteja ausente dos homens, ainda que não devamos esquecer que não é raro encontrar desertos e securas mortais em meio de multidões."

29 de março de 2011

Os caminhos

Ela já o conhecia e o achava lindo. Não de beleza física. Mas de beleza de pessoa interessante, inteligente. E não sabia se ele sabia dela.

Uma manhã, o telefone tocou:

Ela: Oi...

Ele: Oi, quem fala...

Ela (sabia que aquele número era dele!): Sou eu, Clarissa...da universidade.

Ele: Ah, desculpe, estava limpando a agenda do meu telefone. Achei que fosse outra Clarissa. Você está bem?

Ela: Agora que sabes que esse número é meu vais apagar?

Ele: Não! Eu posso precisar...Bom, outra hora falamos. Tchau

O coração de Clarissa disparou. Uma alegria contagiante. Não era uma ligação errada, ela tinha certeza.

Naquela noite, ela viajaria a trabalho, chegou muito antes do horário de seu voo ao aeroporto, irritada. Foi confirmar seu voo e quando virou, deu de cara com Ele. Conversaram. Se despediram. Última chamada do voo dele.

Depois de 15 minutos, o telefone dela tocou:

Ela: Oi..

Ele: Meu voo está atrasado. Não queros vir para cá comigo?

Ela correu até ele. Conversaram. Se olharam demoradamente. Estavam delizes com aquele encontro inesperado. Até que o voo iria partir.

Ele levantou e disse tchau. E se foi. Ela, inebriada por aquele inesperado encontro na madrugada.

Ele voltou, beijou seus lábios..."desculpe, não resisti!", ele disse.... E se foi.

O telefone dela tocou:

Ele: estou ligando so para dizer que dessa vez não teve problema, embarquei, estou dentro do avião..

Ela: que pena...

A madrugada ficou muito mais alegre....para os dois...

8 de março de 2011

Mulheres: Liberdade!!!!




Assim eu vejo a vida

A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.

Cora Coralina

6 de março de 2011

"Tudo é questão de despertar sua alma"

 
 

Hoje, Gabriel García Marquez completa 83 anos de vida.


O mundo agradece a obra deste "eterno amante da palavra", não apenas pela sua produção literária, mas por sua vida, seu engajamento político e essa forma tão simples e apaixonante de descrever vidas e estórias do povo da América Latina.

Realmente, após ler algumas de suas obras, tenho certeza que "tudo é questão de despertar a alma", e isso se torna bem mais prazeroso com a sua poesia.

Quando li "O amor nos tempos do cólera", senti a alma ser desperta para novas vivências. O livro todo é lindo, mas esses dois trechos, me traduzem toda em relação a esta obra.

"É incrível como se pode ser tão feliz durante tantos anos, no meio de tanto bate-boca, tantas chateações, porra, sem saber de verdade se isso é amor ou não."

"Nada nesse mundo é mais dificil que o amor"

Vida longa à Gabri García Marquez!!!

5 de março de 2011

Sobre lobos e meninos - Por Paulo Fonteles Filho




 
Uma página precisa ser aberta no contexto do debate acerca da Comissão da Verdade sob pena de mantermos uma visão parcial dos acontecimentos que envolveram nossos anos-de-chumbo, particularmente no Araguaia: o tratamento dado ao soldado brasileiro.

Aqui não falo de Bandeiras ou Moogs, Licíos ou Curiós, todos oficiais que atuaram como bestas-feras contra brasileiros, que na paisagem da invasão militar às matas do Pará sabemos com rigor documental terem agido com violência desmedida contra camponeses e guerrilheiros. Só não sabemos e precisamos saber é como os mandatários da caserna, em tempos de guerrilha na Amazônia, tratavam o mais modesto e popular de seus elementos, o próprio soldado. O soldado que é a razão de ser de qualquer Exército do mundo, da antiguidade até os dias atuais.

Faço esse aparte porque tudo pode faltar a uma força militar em combate, menos o soldado. Poderia haver, na Roma antiga, mil espadas, mas se não houvesse mil braços pretorianos a empunhá-las o contencioso estava decidido para a força oponente. Assim foi nos tempos de Júlio César e assim o é mesmo com as mais profissionais gendarmerias do século XXI.

O fato é que o grosso dos soldados que serviram o Exército para combater as Forças Guerrilheiras do Araguaia fora recrutada na própria região conflagrada.

Muitos deles tateavam o inicio do ciclo da vida adulta. Vinham das currutelas e grotas, muitos moravam em castanhais e mal sabiam escrever o nome, eram filhos das populações tradicionais ou de retirantes. Todos, sem exceção, filhos da tragédia brasileira, alargada pela visão de que os pobres eram um problema para a segurança nacional.

Contra estes meninos ouso dizer que os lobos bem-graduados transformaram-nos em seguras cobaias e promoveram um pérfido laboratório. Os métodos empregados contra camponeses e guerrilheiros foram cientificamente utilizados pelos “Doutores” (quem conhece a linguagem da repressão política sabe do que estou falando) junto aos recrutas.

Vamos a exemplos: alguém aí sabe o que é o Pau-do-Capitão? O Pau-do-Capitão é a versão recruta zero para a Cadeira-do-Dragão. O tal instrumento de tortura fora largamente utilizado contra os moços sob o sol escaldante da Amazônia matando os sonhos de servir a pátria. Alías, não apenas ao nobre sonho de defender com fervor seu país, mas qualquer outro sonho. Há ex-soldados, confesso, que não sonham há mais de trinta e cinco anos não porque torturaram, mas porque foram torturados.

Um caso diz respeito a um soldado que levava e trazia um preso para a sessão de tortura no 52 BIS em Marabá, em 1974. Durante dez dias os dois iam e vinham silenciosos, jamais trocaram uma palavra ou olhares. Em ambos a dualidade que envolve um vulcão e um funeral. Isto seria corriqueiro em tempos onde o aparelho estatal brasileiro estava vocacionado para a tortura se a questão não envolvesse pai e filho. Por dez dias o filho, soldado, levava e buscava, o pai, tido como subversivo, para as sessões de surra pedagógica. E todos no 52 BIS sabiam disso, todos sem exceção.

Quando ouvi aquele ex-soldado relatar tal história na frente de outros 50 ex-soldados senti todas as dores do mundo, suas crueldades e virtudes. Vejo aquele menino de 19 anos e 45 quilos, fardado, metralhadora em punho caminhando pelo calvário das gigantescas extensões daquele quartel. Penso em seu silêncio apenas rompido pelo passo do coturno e pelo sofrimento engolindo sangue do torturado, também silencioso. E assim iam pai e filho. E nestes mais de 35 anos só trocaram palavras apenas uma única vez, num velório em Belém do Pará.

Nunca mais vou esquecer essa imagem, não quero, não posso. Não é um direito que gozo sob pena de esquecer quem sou e de onde vim. Ao longo de 39 anos já vi e senti muitas coisas duras. Nasci numa prisão porque minha mãe fora presa grávida e barbaramente torturada comigo no ventre. Vi um pai assassinado pelas balas do latifúndio aos 15 anos de idade cujo organizador do crime, James Vita Lopes, atuou na Oban e SNI. Vi muitos companheiros perseguidos e mortos. Há muitos anos que meu couro endureceu e isso até tem me ajudado a continuar na luta e escrever este artigo nesta alta madrugada de segunda-feira em São Domingos do Araguaia. O fato é que aquele menino de 19 anos de 1974 quer falar e sua virtude, sua generosidade, é querer educar toda uma geração de outros meninos e isso será determinante para a felicidade espiritual do povo brasileiro. É por isso que a causa humana é inexorável tal qual a primavera do poeta comunista Pablo Neruda.

Mas outros pedem passagem e também querem falar e falar muito.

Um dos poucos soldados incorporados em Belém descreve a presença do DOI, cujos agentes chamavam de “Chefe” para o então Capitão Luchini. Queria ser barbeiro, aprender uma profissão, mas começou a se decepcionar quando um colega, também soldado, que prestava a guarda de um Osvaldão já morto foi levado para servir de relaxamento para os pára-quedistas oriundos do Rio de Janeiro, tropa de elite decisiva para debelar o movimento insurgente do Araguaia.

O aperitivo de entrada para a paranóica festa realizada quando do tombamento do comandante negro das matas foi dar choques e pancadas nos testículos do amigo daquele que ora narramos.

A ilusão com o quartel e com as tesouras encerrou-se, em definitivo, quando um Coronel, oficial do Estado-Maior, requisitou-lhe a ir até a residência para cortar o cabelo. Ao final do trabalho tal Coronel chama-lhe ao banheiro para ver como havia ficado o corte e o soldado-barbeiro se vê obrigado a manter relações sexuais com o oficial. Se aquele moço não trava a luta teria sido estuprado em plena Vila Militar.

Há um amontoado de nomes covardes na memória daqueles ex-meninos e os mais citados são sempre os Sargentos Anselmo, Hélio e Trajano e o Tenente Elton. Se o Tenente obrigava-os a tomar sangue de boi, o Sargento Trajano é o mais detestado.

Não era apenas detestado pelos maus-tratos dados aos subordinados, mas, sobretudo porque quando entrava na mata, em operações que chegavam a durar 15 dias ininterruptos revelava desmedida covardia e literalmente cagava nas calças de medo de guerrilheiro. Tal pavor fez com que obrigasse uma tropa toda de 14 homens fuzilar 3 castanheiros que saíam do banho de igarapé num final de tarde num mês perdido de 1974 num ponto remoto, de mata fechada em São João do Araguaia/Pa. Dezenas de camponeses, relatam, foram mortos desta maneira e outras dezenas sob tortura, não importava se em ambientes militares ou na mata fechada.

Mas não encerro por aí com o Sargento Trajano.

Depois de ver três castanheiros mortos, o antes covarde e guerrilheirofóbico Sargento Trajano retoma com suas vestes de brutamontes dos tempos de instrução no 52 BIS, quando poderia ser percebido pelo Estado-Maior como o mais abnegado dos patriotas.

Tal transformação foi tão imediata como o cheiro de pólvora depois de uma rajada de metralha. Agora novamente o Trajano era o machão. E logo a tropa encontrou com as famílias e colegas de trabalho dos que lá atrás foram deixados insepultos.

Segundo o relato que colhi, as mulheres velhas e novas tremiam, e os homens, velhos e novos, estavam todos urinados. As crianças choravam muito. Não poderia haver melhor palco para o Sargento. Não poderia haver melhor sinfonia para o Sargento. Aí é que ele se soltava, rajada para cima, cano incandescente de FAL na costa de um e de outro. Mas se aparecesse a Dina era capaz do dantesco e festivo Sargento Trajano fustigar suas próprias entranhas.

Todos eles querem falar, deixemo-nos, pois.

Passaram suas vidas com os lobos rondando seus telhados, humanidades e consciências. Um deles sente, por todos os malditos dias, o sangue de uma cabeça cortada percorrendo suas costas e seus caminhos e quer se libertar para resgatar toda uma vida que não foi e que nunca poderá ser se não disser o que sabe, o que viu, o que sente.

Parecem ter a altivez de compreender que só podem fazer isso se estiverem cerrando fileiras para localizar outros meninos que estão sepultados pela região do Araguaia. Neste caso ambos os meninos foram vitimas do mesmo algoz. É por isso que secretamente, naquelas noites sombrias da década de 1970 os meninos não-guerrilheiros levavam aos meninos-insurgentes, escondidos, cigarros ou comida. O Eduardo, guerrilheiro sobrevivente do Araguaia, não me deixa mentir.

Muitos irão se incomodar quando as vozes forem amplificadas.

O que me preocupa é que isso venha de setores que dizem defender a civilizatória causa do direito à memória e verdade. Para alguns, até o camponês que se viu obrigado a ser rastejador depois das mais bestiais torturas, se equivale ao General Hugo de Abreu. Aqui, a vitima se transforma em vilão e, os que verdadeiramente têm as mãos sujas de sangue aplaudem a confusão e vão se perpetuando na decrépita condição que a covardia enseja a suas velhices.

Espero que o que vamos escutar daqui para frente dos ex-soldados possa ajudar nas mentalidades daqueles que estão nos quartéis, de todos os seus generais, que a defesa da pátria é também de verdade histórica e tenham em Pery Beviláqua um belo exemplo à ser seguido.

E que não ousem os recalcitrantes de plantão tentar silenciar as vozes que se libertam porque até as mais diminutas pedras do Araguaia criarão ouvidos tal o ensurdecedor barulho que só a consciência avançada é capaz de produzir.

   
A Comissão Nacional da Verdade, de profunda dimensão democrática, cuja tarefa é proteger o futuro para uma nova geração de meninos só poderá exitar se revelar os punhais e as tramas dos lobos de 31 de Março de 1964.
 
Blog do Paulo Fonteles Filho: http://paulofontelesfilho.blogspot.com/
 
Foto: Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16353&editoria_id=5

Não recuaremos - Por Paulo Fonteles Filho



Seguimos sertões,
estradas de barro ou asfalto,
por grotas,
serras martirizadas
e certas histórias que não se apagam.
Corremos um sério risco
de não sermos mais quem somos
ou radicalizarmos 
como necessidade para irmos adiante.
Passamos por rostos 
em livros de sangue de toda uma época.
E certos rios ostentam pedras pretas
e são como um leme cortando caminhos.
Passamos por relatos
em casas camponesas onde a vida serpenteia atroz
em abandono, sem justiça ou escolas. 
E um velho código faz saltar das mãos trêmulas,
um lamento.
É que há lobos sobre os telhados.
É que há coturnos antigos 
e promessas de verdades silenciadas.
Não recuaremos.

Do Blog do Paulo Fonteles Filho: http://paulofontelesfilho.blogspot.com/2011/03/nao-recuaremos.html

Foto: Sebastião Salgado

A juventude inserida no contexto da violência urbana





A violência e a criminalidade, que se tornaram dos mais recorrentes problemas urbanos no atual período é mensurado em inúmeras pesquisas e estudos, que exploram principalmente as transformações urbanas que de alguma forma contribuem para a constituição do cenário da violência nos centros urbanos. Essas transformações concretizam as cidades como centros de consumo privilegiado, espaço de imposição de uma ideologia de felicidade graças ao consumo e ao urbanismo adaptado à centralização dos meios de poder, como a informação, formação, organização, operação e persuasão (Sánchez, 2003). Neste quadro, as redes sociais de suporte, como definiu Robert Castel, são desconstruídas ou fragilizadas, dando espaço para a constituição de vulnerabilidades sociais, que atingem os segmentos sociais mais marginalizados na sociedade, dentre os quais, podemos citar os jovens, um dos segmentos mais envolvidos pela crescente violência urbana.

A "reestruturação produtiva" da economia capitalista na sua atual fase está ligada à produção do espaço moldado às necessidades da acumulação. Na análise das sociedades urbanas, este amoldamento significa o aumento de fragmentos ou partes da cidade submetidos ao controle, normatização e privatização, de maneira que seu impacto atinja diretamente a vida social (Sánchez, 2003). Esses espaços capturados pelas relações de produção capitalista por meio da reestruturação urbana transformam-se de espaços com valor-de-uso para espaços com valor-de-troca, e destinam-se à produção (obras de infra-estrutura, de modernização tecnológica, dentre outras) ou ao consumo (turismo, lazer e consumo da cidade estimulados pela publicidade). Esta nova forma de acesso ao espaço mediada pelo mercado aprofunda a separação entre espaço público e espaço privado, acentua o processo de comercialização e especulação.

A nova ordem urbana pretende fazer impensáveis e impossíveis outras formas de viver na metrópole que sejam conflitivas com os parâmetros da cidade-mercadoria que busca consolidar. Tudo aquilo que não adere a essa dinâmica é interpretado como ingovernabilidade, como perturbação da ordem urbana que deve ser desalojada do panorama da modernização (Sánchez, 2001). Entretanto, a cidade nunca está totalmente tomada pelo poder do Estado midiático, processos constitutivos de sujeitos coletivos expressam maneiras de viver e reapropriações da cidade afastadas das previsões da ordem urbana promovida pela imagem oficial.

Na maioria das análises as representações são tornadas dominantes e cuidadosamente desenhadas para mostrar uma cidade homogênea e apagar as diferenças políticas, culturais, de classe ou de origem étnica presentes no território urbano. Deste fato surgem os discursos da cidade-pátria e do consenso-cidadão, da sociedade urbana como um bloco homogêneo sem conflitos de interesses, orientada para um grande objetivo comum, forjados no interior das políticas urbanas, com o apoio incondicional dos meios e o uso amplo de variados instrumentos publicitários que atuam como elementos importantes na regulação social e no controle político da população. Desta forma, a cidade-mercadoria, padronizada pelos mecanismos de regulação do capital, também padroniza sua atenção a uma população homogeneizada, que internamente apresenta uma série de contradições e conflitos. Desta forma, deixa de atender necessidades essenciais daqueles que não se enquadram no estereótipo de cidadãos da metrópole urbana. De acordo com Sánchez, o city marketing e a imposição de imagens urbanas tornadas dominantes contribui para o exercício da violência, especialmente em sua forma simbólica, pelas vias da comunicação e do conhecimento, violência nem sempre percebida por suas próprias vítimas e muitas vezes expressas de outras formas que não apenas a simbólica.

Quem mais sofreu com essa nova estruturação urbana foram os mais pobres, a população mais desfavorecida economicamente e com menos acesso às políticas sociais específicas e estruturais. Essa população foi cada vez mais realocada para as áreas periféricas dos centros urbanos, marcadas pela escassez de equipamentos públicos que pudessem atender as suas necessidades básicas. E esse ato aproxima ainda mais essa população das diversas formas de violência, desde a violência caracterizada pela negação dos direitos básicos dessa população, seja pela violência física, engendrada a partir de vários fatores resultantes desse modo de vida e das experiências pelas quais são obrigados a passar. É neste cenário que este artigo busca localizar os jovens contemporâneos, que vivem a fase da vida de definições e tomadas de decisão, e também, a constante tensão entre a busca de sua emancipação pessoal e a subordinação as regras de convivência da sociedade de consumo, principalmente os jovens urbanos que vivem no modelo de "cidade-mercadoria".

O city marketing influencia também a socialização dos jovens. O seu imaginário está impregnado por informações e imagens de juventude veiculadas pelos meios de comunicação de massa, que tantas vezes repetidas incorporam-se na percepção que esses jovens constroem de si próprios e do mundo. Dessa forma são assimiladas muitas das aspirações de consumo e estilos de vida estimulados por essa hegemonização transmitida pela mídia.

No mundo contemporâneo, a violência tem se tornado um fenômeno, que em casos mais extremos, fere o mais fundamental dos direitos humanos, o direito à vida, o que amplia a sua incidência e dificulta ainda mais sua compreensão. Além disso, tem se tornado cada vez mais abrangente e atingido todas as classes sociais, gêneros e gerações, ultrapassando diferenças geográficas, étnicas e políticas. A forma como atinge determinados grupos pode assumir contornos de singularidade, ou porque alguns tipos de violências são mais recorrentes a indivíduos de determinada identidade, ou porque se constituem a partir das relações que se constroem socialmente pelo exercício das relações sociais de classe, gênero, geração e etnia, por exemplo. Desta forma, o conceito de violência deve ser considerado na sua forma mais ampla, não ficando restrito aos danos físicos que podem levar à morte, mas também, o conjunto de restrições que impedem o gozo dos direitos essenciais. Por isso fatores como exclusão social, discriminação racial, violência verbal devem ter a mesma atenção que a violência física.

É, portanto necessário ampliar e refletir sobre o conceito de violência, levando em conta as várias manifestações sobre a questão, seus atores, suas vítimas, seus discursos, presumindo que a violência além de destruir fisicamente, ela devasta moralmente, mexendo com a subjetividade dos envolvidos.
Os fatores relacionados aos atos de violência atualmente ganharam contorno de uma multiplicidade, as causas estão relacionadas a diversas outras, não podem ser isoladas. Por conta deste fator, existe uma dificuldade em estabelecer relações de causalidade, principalmente quando se observa a pulverização da violência, sua banalização e sua inserção no cotidiano dos indivíduos em geral. Dentro desta realidade, a concentração da riqueza e a dificuldade de inserção remunerada no mundo do trabalho dificultam o acesso desse jovem à renda e, para a maioria dos jovens, a realização das suas aspirações incorporadas. A contradição e o choque que surgem entre os horizontes propostos pela mídia e as limitações concretas da vida real, entre elas a dificuldade de obtenção de renda, condições sociais precárias, inexistência de políticas públicas satisfatórias que promovam a inserção juvenil e possibilidades reais de construção de identidade individual e coletiva, se posicionam entre os fatores básicos que possibilitam uma explicação dos crescentes riscos de envolvimento com o narcotráfico e com outras formas de violência e criminalidade.

Nesse ciclo é notória a vulnerabilidade que alguns jovens se encontram, de forma que passam a ocupar o imaginário social na condição de vítima e de vitimizador. Os instrumentos existentes de mediação e cultura são poucos e não dão conta das demandas de atendimento aos jovens. Essa situação contribui para a construção da vulnerabilidade desse segmento diante da ação de criminosos, que acabam por buscar ajuda no crime organizado para garantir o sustento da família e de si; tornam-se os "soldados", "aviões", em busca de renda e de reconhecimento social (Projeto Juventude, 2004). A violência atinge a juventude também a medida que se fortalece o cenário e reforça-se o imaginário coletivo de que todo jovem pobre, morador dos espaços de exclusão é potencialmente vítima ou promotor de violência. Inúmeros dados têm comprovado que esses jovens, os que moram nas áreas mais periféricas, encontram-se em situação de ainda mais vulnerabilidade à violência e constituem uma das principais causas de morte de adolescentes e jovens. 


"Segundo Waiselfisz (2007), a estrutura de mortalidade
é notadamente diferenciada entre os jovens e os
não-jovens. Enquanto as causas naturais (doenças) são
responsáveis por 27,2% das mortes entre os jovens, no
grupo não-jovem representam mais de 90,2% das causas
de mortalidade. Já as causas externas, que na população
não-jovem responsáveis por 9,8% dos óbitos,
são responsáveis por 72,8% da mortalidade entre os
jovens. Essas causas externas englobam acidentes de
transporte, homicídios e suicídios, sendo que estes
últimos, de forma isolada, são responsáveis por mais
de 61,3% das mortes dos nossos jovens."
(LOPES, Sueli. ADORNO, Rubens de C. F. , 2008)


A esse imaginário coletivo que estereotipa os jovens das áreas mais periféricas com potencialidades de criminosos, junta-se outro, o de "correção" por meio do castigo, através do qual se legitima o uso da violência até mesmo em equipamentos socialmente criados para atendimento dessa população, como a escola, por exemplo. Essas práticas de violência socialmente produzidas e culturalmente aceitáveis violam cotidianamente os diretos sociais básicos dos jovens e instituem um viés de classe estabelecido a partir do parâmetro entre periculosidade e classe social, constituindo a cultura que estigmatiza essa população. Para amplos setores da sociedade e da mídia, as políticas públicas para a população que vive a condição juvenil, ou seja, os indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, devem ser construídas com a perspectiva de controle, seja através da repressão direta, como por exemplo o Toque de Recolher (medida implantada recentemente em algumas cidades brasileiras) ou buscando mantê-los "ocupados", utilizando-se de uma lógica alienante e repressora, pois desconsidera os direitos dos jovens à cultura, ao lazer, ao esporte e ao tempo livre. 

Esses mecanismos afastam a juventude da busca e construção de soluções positivas para o enfretamento dessa realidade. Daí surge a necessidade de pensar em uma política pública que considere esses jovens como protagonistas, com capacidades múltiplas de intervenção na sociedade. E as políticas voltadas para a prevenção das violências devem ser inseridas no marco da inclusão e da universalização dos direitos, implementando-as sem medidas de controle repressivo, e com iniciativas de promoção e garantia de direitos.

Portanto, diante da análise de como se constituem as novas cidades a partir das reestruturações urbanas, as exigências que esse novo modelo estabelece para sua inserção permite não apenas a exclusão de parcela da população que não se enquadra aos modelos impostos e dominantes, como possibilita a construção de mecanismos que violem os direitos básicos e humanos. E os jovens estão entre os segmentos que mais são atingidos por essas reestruturações. O que evidencia a necessidade de construção e o fortalecimento das políticas públicas que encarem o jovem como sujeito com capacidades e que promovam a sua inclusão na sociedade e a sua emancipação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Projeto Juventude, Instituto Cidadania, 2004.

ABRAMOVAY, Miriam. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. UNESCO, BID. 2002.

SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003. Pag. 39 a 144. 

MITSCHEN, Tomas.Crescimento, pobreza e violência em Belém. NUMA e POEMA/UFPA. 2006.

NJAINE, Kathie. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Violência na escola: identificando pistas para a prevenção. In: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141432832003000200009&script=sci_arttext&tlng=pt (19/12/2009 – 2h28)

ABRAMOVAY, Miriam."A Violência Urbana e seus Reflexos na Escola".
LOPES, Sueli. ADORNO, Rubens de C. F. , Juventude, Pobreza e Violência, São Paulo: 2008.